quarta-feira, 2 de abril de 2008

Alô, alô, dizia o croquete para o rissol




- E se fossemos a S. João D`Arga?
- Eh?... Quando é isso? – Perguntei eu, deitado na praia sobre a toalha.
- É na próxima terça à noite – diz o Zé Alfredo, abanando chapéu de palha em frente à cara.
- É uma ideia, já lá não vou há meia dúzia de anos, pelo menos.
- Tal como eu. O Daniel é que ontem me falou nisso, porque costuma ir todos os anos lá jantar.
- Mas janta numa tasca ou leva merendeiro?
A curiosidade aguçada pelo evocar do merendeiro invadia-me a mente. A última vez que lá tinha estado, tinha sido de fugida e não tivera oportunidade de provar o cabrito, nem sequer o famoso bagaço com mel. Por isso a sugestão do Zé Alfredo não estava nada despropositada. Alem disso, tinha passado a maior parte das férias sem pôr o nariz fora da toca e uma noite animada, calha sempre bem.
No dia seguinte voltamos à conversa e o plano ficou mais ou menos delineado. Iríamos nós, mais o Daniel, o Álvaro e respectivas famílias. Convidamos também o Rico e a Cira, uns primos nossos que vivem em Paris e que adoram estas festas.
Marcamos a saída para as cinco da tarde de terça-feira e até essa hora houve treino de culinária.

Eu e a Paula fizemos um empadão e uma tortilha, o Rico (lê-se Ricô, porque ele é Italiano) fez uma omoleta de esparguete e já contávamos com os habituais panados, bolos de bacalhau e similares que alguém havia de levar. É infalível!
De qualquer forma, eu e o Zé Alfredo estávamos filados no cabrito e principalmente no sarapatel que, como sabem, é feito com os “miúdos” do dito. À hora marcada lá aparecemos junto ao Centro Cívico e (milagre) ninguém se atrasou, dando-se de imediato a partida. Como era para a festa estava tudo pronto, se fosse para trabalhar…
Ao chegar à freguesia de Arga de S. João ultrapassamos uma coluna de romeiros de Dem e pouco depois começamos a ver os automóveis que já estavam estacionados nas bermas.

O Daniel parou para estacionar, o Álvaro ultrapassou-o e continuou em marcha lenta. Eu vinha a seguir também continuei à procura de um local em que pudesse fazer (com segurança) inversão de marcha, de forma que, à noite, tivesse o carro apontado para a saída. Numa curva onde havia um recanto, deu-me a possibilidade de fazer a manobra e o Zé Alfredo, que me seguia fez o mesmo. O Álvaro continuou a descer em direcção ao Convento.
- Onde vai aquele gajo? – Disse eu ao ver a descontracção com que se metia no meio da confusão.
Descarregamos as tralhas, mochilas com agasalhos para a noite, mantas para o chão e os comes e bebes, aguardamos pelo Daniel que tinha ficado para trás umas centenas de metros e aí vamos nós, estrada fora.
Quando chegamos ao recinto junto da antiga casa florestal deparamos com mais de uma dúzia de auto caravanas a um canto do parque e bastantes tendas de campismo, o que para mim constituiu a primeira novidade, pois da ultima vez que lá tinha estado não haviam auto caravanas e tendas não me lembro de ter visto alguma.
A segunda surpresa veio logo de seguida com as roulottes das farturas, do pão com chouriço e tendas que vendiam sapatos, quadros, roupas e todo o bric a brac a que estamos habituados nas festas “da cidade”.
Para mim foi uma surpresa ver aquele estenderete em S. João D`Arga, tudo bem iluminado à custa de inúmeros geradores que faziam um barulho do caraças. Acho que S. João D`Arga não precisava nada daquela tralha e que só vieram adulterar uma romaria genuína.

O nosso objectivo era arranjar um lugar para “acampar” dentro do recinto e, por isso, lá fomos descendo, furando e empurrando. Já estava bastante gente mas ainda se circulava razoavelmente.
Começaram a aparecer as primeiras caras conhecidas, trocaram-se os primeiros cumprimentos. Ao fundo, detrás da capela, havia um espaço que parecia estar à espera de dono e foi mesmo aí que estendemos as mantas. A vizinhança tinha ar simpático e estávamos perto de tudo, mas desviados da confusão.
Tirei algumas fotografias, dei umas voltas sem destino, tipo perdigueiro de nariz no ar e apeteceu-me urinar o que até nem constituiu preocupação porque estava perto dos sanitários.
Só que havia bicha (de mulheres) para o xixi e nos sanitários já se entrava de calças arregaçadas ou de barco (com o fundo chato). Decidi ir à natureza, como tantos outros, desci uma ladeira para “regar” umas giestas, falharam-me os “patins” sobre a relva húmida e lá vou eu, por ali a baixo, com o cu a rasto. Pouco faltou para ir ter à ribeira de S. João!
Estava já de pé a sacudir-me quando passa outro melro ainda mais embalado, que só parou lá mais em baixo.

No final da missa saiu a procissão que faz um percurso até ao cruzeiro do caminho antigo e regressa à capela, percorrendo no total pouco mais de duzentos metros, mas que representa o que de genuíno encontrei nesta romaria popular.
Entretanto o Álvaro e a Bina ainda não tinham chegado, nem atendiam o telefone. Começava a escurecer e, depois de metermos paleio com os donos de uma tasca e vermos o que se preparava na cozinha, decidimos comprar ali o cabrito e o sarapatel.
Como não tínhamos levado pratos nem talheres o senhor da tasca pôs-nos logo o material à disposição, muito agradecido por não irmos ocupar uma das suas preciosas e escassas mesas.
No grelhador deste estabelecimento estava o nosso velho amigo Clemente, um grande cantador da Serra D`Arga e, pelo visto, também um grande grelhador de frangos, costela de porco e bacalhau.

Tínhamos combinado começar o jantar às oito e eis que chega o Álvaro e a Bina, que de orelha caída, nos explicam que seguiram sempre para baixo até que um elemento da GNR já não os deixou dar meia volta na estrada, obrigando-os a seguir em direcção a Arga de Baixo.
Como só encontraram lugar para estacionar a mais de três ou quatro quilómetros decidiram ir até Covas, virar para Vilar de Mouros e voltar outra vez por Dem, estacionando finalmente o automóvel perto do Daniel. Com esta habilidade andaram mais de hora e meia às voltas e fizeram cerca de vinte quilómetros desnecessários!!!
Claro que depois de nos terem contado esta aventura, o mais simpático que chamamos ao Álvaro foi “parolo”. Agora imaginem o que ele disse do polícia…

O homem da tasca encheu um par de travessas de cabrito e sarapatel e quando “tocou o pau no balde” eu, o Zé Alfredo e a Paula regalamo-nos com aquele pitéu serrano, enquanto os outros iam aligeirando os tapewares de bifanas, rissóis e empadas. O Rico e a Cira que nunca tinham provado sarapatel, provaram, gostaram e ficaram clientes.
A Bina tinha acamaradado com as nossas vizinhas e já saboreava uns nacos de coelho estufado, que tinham o sabor lá dos lados de Vitorino de Piães.
Barrigas cheias, hora de tomar café e provar o bagaço com mel, antigamente um néctar dos deuses, hoje uma aguardente comercial, baptizada com água e adoçada com mel e açúcar amarelo. Enfim, bebia-se…
As bandas de Lanhelas e de Moreira já tocavam ao despique e depois de levarmos algumas dúzias de empurrões, pisadelas e apertanços, desistimos de ver e ouvir as bandas de perto, cada um acabou por procurar um lugar mais calmo para assistir ao espectáculo, o que, diga-se em abono da verdade, valia a pena.
O concerto das bandas não tem nada a ver com os habituais concertos de outras festas, pois os reportórios são completamente diferentes, mais ligeiros, mais populares, menos formais e com o publico a apoiar e a “puxar” pela banda da sua preferência.
Do outro lado da capela, vários grupos de tocadores de concertina juntam à sua volta multidões para ouvirem cantar ao desafio ou até para darem um pé de dança.
E assim se passou até depois da uma da manhã, quando a banda de Lanhelas se despediu e saiu do recinto, ficando alguns elementos da banda de Moreira em total autogestão (já sem maestro) a tocar em cima de um dos coretos. Aquilo já era mais jazz vadio que outra coisa qualquer!

Entretanto íamos circulando e volta e meia íamos até ao local onde tínhamos as tralhas, quando soubemos que tinha desaparecido o telemóvel ao Álvaro.
- Talvez o tenhas deixado cair?
- Já procuraste bem?
- É pá, ou me caiu do bolso ou mo roubaram. Sei lá, no meio desta confusão… Só tenho pena é dos contactos que lá tinha. Estou tramado! – Desabafava o Álvaro completamente desconsolado com mais este percalço.
- Vamos à cabine de som para eles anunciarem, pode ser que alguém o encontre…
Foi o Zé Alfredo com ele, mas os tipos da comissão de festas disseram logo que não valia a pena, só anunciavam desaparecimento de carteiras por causa dos documentos.
Decidimos vir embora, reuniu-se a malta e toca de arrumar tudo, pois ainda tinha sobrado muita comida, alguma bebida e era preciso encher as mochilas.
- Olhai o que está aqui dentro deste tapeware – diz a Bina
Era o telefone do Álvaro que estava bem aconchegado dentro de uma marmita, entre os rissóis e os croquetes, o que motivou mais umas sonoras gargalhadas e mais uma vez uns mimos para o nosso Alvarinho. Há dias que um gajo não pode sair de casa!

Fizemos o caminho de regresso, recuperamos os carros e fomos barrados pela Brigada de Transito na rotunda de Dem, que nos mandou encostar para controle documental e de alcoolémia.
O Álvaro como compensação dos azares anteriores, foi o único que mandaram embora sem bufar. Todos os outros bufaram e foram mandados em paz (não sei como) e com votos de boa viagem.
Depois do susto, já a descer na A-28, pensei que por pouco não tinha ido beber mais um “fino” antes de vir embora.
Mas um pressentimento travou a minha ida à tasca mais próxima. Agora é que acredito que o último copo é sempre o mais perigoso. Ainda bem que só tomei o penúltimo!

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