Andei vários meses a fazer planos
para ir pescar, mas foram sucessivamente adiados com desculpas meio
esfarrapadas que dava a mim próprio. Ora estava “muito mar”, ora estava frio,
ora não tinha maré para apanhar isca, vocês sabem muito bem como é. Também não tinha licença, o que é sempre uma boa
desculpa!
Como tive duas semanas de férias
em Julho pensei que desta vez é que era e tinha de ir desenferrujar o material.
Tirei a licença no multibanco, revi o material e conclui que o melhor era
refazer todas as baixadas, pois não me ofereciam o mínimo de segurança. Sempre
fui adepto de substituir os materiais ao fim de algum tempo de uso, pois o
contacto com a água salgada e as pedras enfraquecem tudo, as linhas, os anzóis,
os distorceres, etc..
Então, um fim de tarde ventoso
que me tinha corrido da praia para fora, enchi-me de paciência e fiz uma bela
sessão de bricolage, como já não fazia há imenso tempo.
Na manhã seguinte fui à isca para
Penedim (perto do Sanatório da Gelfa), dei cabo dos dedos e das unhas, mas
consegui a “sintética” mais que suficiente para uma noite de pesca.
Não sei se sabem que “sintética”
é aquilo que vocês conhecem como “linhas” ou teagem. Andava lá à isca o Mário,
um amigo que é padeiro e que também estava de férias.
Conversa daqui, conversa dali
enquanto apanhávamos isca, disse-me que ia pescar à noite com o cunhado ali no
praial de Âncora, enquanto eu lhe disse que iria para Moledo, mais por causa da
maré, que faria o baixa-mar lá perto da meia-noite. Eu gosto de pescar em
Moledo, nas últimas horas do baixa-mar. Manias!
Depois do jantar, meti os
“tarecos” no carro e abalei para Moledo, estacionei junto ao ultimo passadiço,
junto ao Camarido e comecei a montar a cana, uma Hiro Boomerang de quatro
metros e meio, com carreto Shimano Ultegra, carregado com multifilamento
Fireline 0,22. Os anzóis continuam a ser Aberdeen muito comprido e finos,
ideais para a sintética. Pelo menos é essa a minha opinião!
Enquanto montava a tralha, reparo
que há movimento dentro do pinhal e reconheço a já habitual raposa que fez do
contentor do lixo próximo um ponto de paragem diário. Já é a terceira ou quarta
vez que vejo aquele bicho por ali. Não se impressionou com a minha presença,
limitou-se a esperar que eu me “pirasse” para avançar a todo o gaz para o contentor.
Quando cheguei à praia estava o
sol quase a esconder-se no horizonte, não havia vivalma, o que me admirou e me
levou a pensar, “para não estar ninguém ou não tem dado peixe ou está cheio de
lixo”.
Lá avancei até ao Bico da Ruiva,
aquele pequeno bico mesmo em frente à Ínsua; isquei os anzóis e lancei para uma
coroa de areia que já se adivinhava. Pouco depois verifiquei que a água corria
para sul, recolhi e encontrei algum lixo nos anzóis. Voltei a lançar e pouco
depois voltei a recolher com uma boa carrada de lixo. “Que grande merda,
primeiro dia que venho pescar e está tudo cheio de lixo; por isso não está cá
ninguém”, pensava eu, já desanimado.
Entretanto escurecera e decidi ir
para sul até ao “Moinho” e lá tentar a sorte. Como a água estava faltar devido
ao baixa-mar, viam-se claramente os areios e decidi pescar sobre um deles. Lá
me mantive durante mais de uma hora sem qualquer resultado. De repente,
surpresa… senti um toque, outro toque, puxo um pouco a cana para mim e sinto o
peixe preso. Recolho nas calmas, é pequeno, pelo menos parece.
Era mesmo pequeno e vinha
embuchado. Para lhe retirar o anzol quase lhe fiz uma autópsia. Pouco depois
outro toque, a mesma operação e uma sargueta pequena, também embuchada. A
partir daí tirei mais duas sarguetas e outro robalinho, tão pequenos que os
devolvi ao mar, até porque não estavam embuchados e podiam sobreviver.
Notei então que um pouco mais a
sul havia um rego entre duas coroas de areia, onde o mar não virava. “É ali
mesmo que vou mandar dois lances, se der a mesma missanga vou já embora”.
Lancei para o tal rego, pousei a
cana no suporte e subi um pouco a praia para ver melhor o trabalhar do mar.
Quando desci pareceu-me que a
cana estava a dobrar, mas todos sabemos que muitas vezes é o mar ou apenas ilusão
óptica; é que de noite todos os gatos são pardos.
Mas este não era pardo, a
embraiagem já cantava e mal pus a mão na cana percebi logo que estava do outro
lado um figurão de peso. O peixe até nem deu muito trabalho a vir para terra,
apenas tive algum cuidado na rebentação e facilmente ficou em seco.
Mais que depressa, com o coração
aos saltos, meti-lhe os dedos na guelra, levantei-o e calculei uns dois quilos
de peso.
Toca a iscar outra vez, tudo me
fugia das mãos e comecei a pensar que antigamente não me davam estes
tremeliques. Se calhar é da idade!
Acabei por lançar, mas desta vez
fiquei com a cana na mão na expectativa, que se desfez em menos de um minuto
quando levei uma autêntica paulada na cana. De repente sinto a linha a sair aos
sacões, com uma força enorme. Deito a mão á embraiagem para a aliviar um pouco
mais por precaução e deixo de sentir o peixe. Recolho rapidamente, não vá o
gajo ter deitado a correr para terra, habilidade que fazem muitas vezes, mas o
peixe tinha-se desprendido.
Há muito tempo que não levava uns
“coices” daqueles, certamente dados por um peixe realmente grande. Voltei a
laçar para o mesmo sítio, mas durante o resto do tempo que lá permaneci não
senti mais nenhum toque.
Vim para casa com um misto de
sensações contraditórias; trazia um amargo de boca por ter perdido um peixe
realmente espectacular, mas no saco “cantava” um de dois quilos e meio, que era
quanto pesava o robalo que tinha apanhado.
Neste momento que estou a
escrever penso, a frio, que era bom que isto me acontecesse de todas as vezes
que vou pescar. Não era?
Agosto de 2007