terça-feira, 11 de março de 2008

Litos, o traficante (1ª parte)

Voltou a olhar para ambos os lados, não viu nada de alarmante na penumbra da rua, entregou a prata ao tipo que estava plantado na sua frente. Dele já tinha recebido os vinte euros que faziam companhia às outras notas no bolso interior do blusão. Fez sinal com a mão, e do escuro aproximou-se outro tipo que, sem qualquer conversa, lhe estendeu a nota azulada, recebendo em troca outra pequena prata.
O Litos era traficante, apenas um pequeno vendedor que mudava frequentemente de sítio de forma a passar o mais despercebido possível pela polícia. Agora estava a fazer a noite perto do Bairro do Cerco.
Lá dentro, nas ruas do bairro, o negócio fazia-se à descarada, tanto na rua como em certas casas. Havia dias que faziam bicha nas escadas dos prédios onde estavam localizados os apartamentos dos traficantes. O problema eram as rusgas que a polícia fazia de vez em quando e lá iam meia dúzia dentro.
Mesmo que acabassem por sair, já ficavam marcados e para não serem perseguidos a cada momento, acabavam por ir dando uns bitaites à bófia. O Litos evitava ao máximo as confusões, tinha começado no “mundo” a gamar auto-rádios e umas carteiras, a “passar” erva ou qualquer coisa que desse um guito para a bucha.
Por causa de um descuido esteve preso em Custoias durante nove meses, foi lá que aprendeu a arte da dissimulação e os passos certos para o negócio da coca e do cavalo. Nunca fora consumidor e ainda sentia um certo nojo só de se lembrar que uma vez tinha fumado uma pedra de haxixe e passara a noite a vomitar.
Aos poucos estabeleceu um grupo mais ou menos fixo de clientes, que ele avisava cada vez que mudava de poiso.

- Põe-te a milhas, estás a olhar para mim porquê? Andor!!!
O magricelas alto e completamente ganzado, cambaleante, virou-se lentamente, tomou balanço e afastou-se aos tropeções.
- Este não dura muito – resmunga entre dentes.
Um carro avança lentamente do fundo da rua. Ouve um assobio, era o Chico a avisar. Recua para o interior de uma porta e fica no escuro à espreita. O veículo passa, pode ser um dos carros civis da bófia, estão sempre a mudá-los.
Antigamente conhecia-os todos, mas agora é mais difícil, até lhe tinham dito que os trocavam com os carros de Lisboa.
Farto de bater com os pés no chão para aquecer e como já há mais de meia hora não aparecia ninguém para comprar, decidiu ir embora. Fez um sinal para o sítio onde devia estar o Chico escondido, que apareceu de imediato e juntos caminharam para o seu velho Citroen AX que estava estacionado numa rua ali próxima.
- Que tal? – Pergunta o Chico.
- Fraco… Fiquei com metade por vender.
- Os gajos ainda ontem encheram a ramona no bairro, é por isso que a malta se está a cortar.
- Humm… Não tem é guito. Ainda hoje o Broas que tem sempre algum, estava liso e deixou-me ficar um relógio.
- É pá, então estás a aceitar essas merdas? Já ninguém dá nada por relógios.
- Este é bom, um Seiko. Cinquenta vale sempre, pelos menos.
Deixou o Chico junto à Câmara de Matosinhos e seguiu para a sua casa que não ficava longe. Estacionou o Citroen a dois quarteirões do prédio onde vivia, meteu a saca plástica com algumas pratas debaixo do tapete do lado do pendura, fechou-o cuidadosamente e esquadrinhou a rua deserta àquela hora da madrugada.
Tinha sempre o cuidado de deixar o carro longe e não entrava em casa até ter a certeza que ninguém o estava a observar.

Subiu no elevador até ao quarto piso, percorreu o corredor suavemente iluminado, abriu a porta do seu apartamento e suspirou de alívio.
O salão à sua frente era grande, o piso em madeira impecavelmente envernizado, cortinados verdes protegiam as vidraças da enorme janela virada para sul. Tirou o blusão, escolheu uma garrafa de whisky no bar, juntou alguns cubos de gelo, preparou a bebida e recostou-se no enorme sofá de couro negro.
Esvaziou o bolso do blusão e dedicou toda a atenção à tarefa de endireitar e ordenar aquele monte de notas amarrotadas. Mais algumas semanas e deixava a rua, era a sua primeira meta, pôr alguém a fazer o trabalho de venda. Era mais seguro, ele só tinha de controlar.

No dia seguinte acordou tarde como habitualmente e quando saiu de casa foi para ir ao Gaveto, uma marisqueira onde era cliente assíduo. Depois de um caril de gambas e uma generosa dose de pudim francês, foi buscar o velho AX e conduziu até à sua oficina, numa transversal da Constituição.
O salão era grande mas estava atravancado de moveis antigos, que ele ia recuperando lentamente e que servia de camuflagem para o seu verdadeiro negócio. Era também aí que guardava a droga, que fazia as pesagens ou o corte, e como trabalhava de porta fechada ninguém o ia lá incomodar. Apenas um ou outro proprietário dos móveis a restaurar é que lhe telefonavam a saber se já estava a obra pronta.

Tinha aprendido o ofício com o Rafael, um marceneiro resmungão do Marco, sua terra natal, que ele aturara durante dois ou três anos, desde que saíra da escola, até que se chateou e veio para o Porto em resposta a um anuncio, onde pediam um aprendiz de polidor.
Conseguiu o emprego, conheceu amigos e não tardou muito a ajudá-los a aliviar alguns carros dos respectivos auto rádios, para depois venderem. Como faltava ao trabalho e muitas vezes ia para lá dormir, o patrão acabou por mandá-lo embora e ele decidiu que já chegava de trabalhar para os outros, ter de os aturar, para no fim do mês receber uma côdea.
Passou a ajudar o Tesouras, um carteirista à moda antiga, daqueles que metia as mãos nos bolsos dos lorpas e eles ainda se riam. Nada de esticões nem de facas a ameaçar, só técnica. Trabalhavam nos autocarros e na linha da Póvoa, mas tiveram de desistir dos comboios porque já estavam a ser topados pelos revisores, que avisavam os passageiros.
Um dia o Tesouras ainda levou uns tabefes, o que lhe valeu foi chegar um polícia que estava de folga e que o tirou daquela enrascada, pois já havia uns gajos que o queriam mandar abaixo do comboio.
Foi quando começou a vender erva à porta de discotecas, porque o Tesouras agora estava mais cauteloso e o que ganhavam não dava para nada.
Uma noite, quando ia passar para a mão de um cliente uma pedra de haxixe, sentiu fechar-se no pulso uma argola de metal frio, era um polícia disfarçado de cliente e ele tinha sido apanhado em flagrante.

Em Custoias ofereceu-se para trabalhar na carpintaria, onde ninguém o chateava e as horas passavam mais depressa. Depressa ganhou a confiança do encarregado da oficina e dos guardas, passando a ter uma liberdade invejável, até porque não havia risco de fuga por a pena ser muito curta.
Ainda ganhou uns cobres a servir de correio entre os poderosos e mandantes da cadeia e, acima de tudo, ganhou confiança com eles, ganhou contactos e informações que esperava serem de utilidade quando pusesse os pés na rua.

(continua)

2 comentários:

PoesiaMGD disse...

Vale a pena reler...
Um abraço

Brito Ribeiro disse...

Obrigado pela visita.

Abraço