No domingo à noite o pequeno automóvel da Guarda serpenteou os montes, desceu e subiu encostas, os faróis mortiços iluminavam poucos metros à sua frente, mas suficientes para dirigir vagarosamente o velho Ford até à Gave, uma aldeia com 300 habitantes, uma das maiores da região. Parou a viatura no largo da igreja, poucos metros adiante estava o cruzeiro, não se via viva alma, apenas a candeia de azeite iluminava fracamente o nicho da Senhora da Natividade.
O Tenente empunhou o revólver, desceu e deu a volta à pequena praça, sempre atento ao menor movimento. Nada!
Após alguns minutos de espera sentiu o barulho de passos no saibro da praça. Engatilhou o revólver, encostou-se ao automóvel, disfarçando a silhueta na penumbra. Um vulto aproximou-se e a meia dúzia de passos de distância perguntou:
- Vossemecê é que é o da Guarda?
O Tenente admirou-se por ouvir a voz nasalada de uma mulher, mas não desviou o revólver.
- Sou, e você quem é?
- Eu venho buscá-lo para o levar junto do meu patrão, que quer confirmar se veio só e não lhe quer mal. Venha comigo.
- Onde? O local combinado era aqui.
- Ele está à saída da aldeia e fale baixo para não acordar ninguém. Já basta o barulho que o carro fez para chegar até aqui.
- Vai à minha frente e lembra-te que se me estão a preparar alguma, abro caminho a tiro.
- Nada tema senhor, o meu patrão apenas quer falar consigo.
Tomaram o caminho que subia para Valdepoldros, a mulher à frente, o Tenente meia dúzia de passos mais atrás, continuando a empunhar a arma.
- Estamos quase a chegar, senhor – avisa a mulher ao fim de poucos minutos de caminhada na escuridão serrana, quando passavam entre azevinhos centenários.
De repente algo assobiou nos ares e abateu-se sobre o Tenente que caiu de imediato. Outra pancada e mais outra zurzem o corpo estendido no caminho. O Alípio arfava do esforço e da emoção de ter arreado no oficial da guarda com o seu pau ferrado. Dera-lhe com ganas, que o malandro merecia.
- Procura a pistola Rita, ele tinha-a na mão.
- Já a tenho comigo. Vê lá se ele é vivo ou morto…
- Diabos o levem, está cheio de sangue. Acho que não respira.
- De certeza?
- Sim… De certeza – conclui o Alípio.
- Então vai buscar os animais para sairmos daqui.
Os dois cavalos e a mula estavam presos ali perto e num pulo o Alípio trouxe-os pelas rédeas. Atravessaram o corpo do Tenente no dorso da mula, cobriram-no com uma manta e amarraram-no de forma a não escorregar em andamento.
No silêncio apenas quebrado pelas patas dos animais, os dois irmãos montaram e arrastaram a mula, caminho acima, em direcção a Valdepoldros.
(continua)
Sem comentários:
Enviar um comentário